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18 de dezembro de 2010

Parvoices

   GERIR A RAIVA

       Por vezes, quando se tem um mau dia e precisamos de o descarregar em alguém,
       não o faça em alguém seu conhecido. Descarregue em alguém que NÃO conheça.

       Estava sentado à minha secretária, quando me lembrei de um telefonema que
       tinha de fazer. Encontrei o número e marquei-o. Respondeu um homem que
       disse: "Está?"

       Educadamente respondi-lhe: "Estou! Sou o Luís Alves. Posso falar com a
       Sra.Ana Marques, por favor?"

       Ficou com uma voz transtornada e gritou-me aos ouvidos: "Vê lá se arranjas a
       merda do número certo, ó filho da puta!" e desligou o telefone.

       Nem queria acreditar que alguém pudesse ser tão mal educado por causa de uma
       coisa destas. Quando consegui ligar à Ana, reparei que tinha acidentalmente
       transposto os dois últimos dígitos.


       Decidi voltar a ligar para o número "errado" e, quando o mesmo tipo atendeu,
       gritei-lhe: "És um grande paneleiro!" e desliguei. Escrevi o número dele
       juntamente com a palavra "paneleiro" e guardei-o.

       De vez em quando, sempre que tinha umas contas chatas para pagar ou um dia
       mesmo mau, telefonava-lhe e gritava-lhe: "És um paneleiro!" Isso animava-me.

       Quando surgiu a identificação de chamadas, pensei que o meu terapêutico
       telefonema do "paneleiro" iria acabar. Por isso, liguei-lhe e disse:
       "Boa tarde. Daqui fala da PT. Estamos a ligar-lhe para saber se conhece o
       nosso serviço de identificação de chamadas!"
       Ele disse "NÃO!" e bateu o telefone.
       De seguida liguei-lhe, e disse: "É porque és um grande paneleiro!"


       Uma vez, estava no parque do Centro Comercial e, quando me preparava para
       estacionar num lugar livre, um tipo num BMW cortou-me o caminho e estacionou
       no lugar que eu tinha estado à espera que vagasse.
       Buzinei-lhe e disse-lhe que estava ali primeiro à espera daquele lugar, mas
       ele ignorou-me.
       Reparei que tinha um letreiro "Vende-se" no vidro de trás do carro, e tomei
       nota do número de telefone que lá estava.

       Uns dias mais tarde, depois de ligar ao primeiro paneleiro, pensei que era
       melhor telefonar também para o paneleiro do BMW.
       Perguntei-lhe: "É o senhor que tem um BMW preto à venda?"
       "Sim", disse ele.
       "E onde é que o posso ver?", perguntei.
       "Pode vir vê-lo a minha casa, aqui na Rua da Descobertas, Nº 36. É uma casa
       amarela e o carro está estacionado mesmo à frente."
       "E o senhor chama-se?." perguntei.
       "O meu nome é Alberto Palma", disse ele.
       "E a que horas está disponível para mostrar o carro?"
       "Estou em casa todos os dias depois das cinco."
       "Ouça, Alberto, posso dizer-lhe uma coisa?"
       "Diga!"
       "És um grande paneleiro!", e desliguei o telefone. Agora, sempre que tinha
       um problema, tinha dois "paneleiros" a quem telefonar.

       Tive, então, uma ideia. Telefonei ao paneleiro Nº 1.
       "Está?"
       "És um paneleiro!" (mas não desliguei)
       "Ainda estás aí?" ele perguntou.
       "Sim", disse-lhe.
       "Deixa de me telefonar!" gritou.
       "Impede-me", disse eu.
       "Quem és tu?" perguntou.
       "Chamo-me Alberto Palma", respondi.
       "Ah sim? E onde é que moras?"
       "Moro na Rua da Descobertas, Nº 36, tenho o meu BM preto mesmo em frente, ó
       paneleiro. Porquê?
       "Vou já aí, Alberto. É melhor começares a rezar", disse ele.
       "Estou mesmo cheio de medo de ti, ó paneleiro!" e desliguei.


       A seguir, liguei ao paneleiro Nº 2.
       "Está?"
       "Olá, paneleiro!", disse eu.
       Ele gritou-me: "Se descubro quem tu és..."
       "Fazes o quê?" perguntei-lhe.
       "Parto-te a tromba!" disse ele.
       E eu disse-lhe: "Olha, paneleiro, vais ter essa oportunidade. Vou agora
       aí a tua casa, e já vais ver."

       Desliguei e telefonei à Polícia, dizendo que morava na Rua da Descobertas,
       Nº 36 e que ia agora para casa matar o meu namorado gay.
       Depois liguei para as cadeias de TV e falei-lhes sobre a guerra de gangs
       Que se estava a desenrolar nesse momento na Rua da Descobertas.

       Peguei no meu carro e fui para a Rua da Descobertas. Cheguei a tempo de ver
       os dois parvalhões a matarem-se à pancada em frente de seis viaturas da
       polícia e uma série de repórteres de TV.


       Já me sinto muito melhor.

       Gerir a raiva sempre funciona.

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