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20 de setembro de 2010

Carrinha de ATL

By Pedro Ribeiro Rádio comercial.

13 de Setembro de 2010
O dia em que aprendi o que é estar morto.
Hoje, estive morto. Senti que toda a vida se escapava pelo ar que, aflito e
a custo, respirava, enquanto as lágrimas eram gritadas, louco no carro, os
olhos à procura, à procura, à procura.
Morri, ali.
A minha filha deveria sair da Escola de Santo António, na Parede, apanhar
uma carrinha do ATL e eu ia buscá-la.
O que é que aconteceu? O cartão da escola, que supostamente controla as
entradas e saídas dos alunos, valeu zero. Ela saiu, porque viu uma carrinha
de ATL e entrou. Era o ATL errado. Ninguém lhe perguntou o nome, não houve
uma chamada, nada. Ela entrou com uma colega e só após duas horas de
aflição indizível, comigo à procura dela por todo o lado, é que o telefone
tocou. De um "After School", a perguntar se eu era o pai de uma Mafalda
Ribeiro, que eles tinham, aflita, a pedir para ligarem ao pai. Aliás foi
ela que falou: "papá?"
Durante duas horas, morri. Percorri ruas de possíveis percursos, olhei para
todas as sombras, parques infantis, supermercados, escola antiga, liguei
para os pais de colegas dela, todos os absurdos e horrores passaram pela
minha cabeça, chamei o seu nome, entre choro, em ruas e em todos os
recantos da escola. Nada. Evaporou-se. Horrível. Uma tristeza, uma aflição,
um horror que nunca mais vou esquecer. E quando o telefone tocou e era ela,
aquela voz doce da minha princesa, minha vida, meu ar, meu sopro de vida,
eu soube o que era renascer. E desfiz-me em lágrimas de novo, e dali até ao
tal After School, que teve a minha filha à sua guarda por engano, até ela
pedir para ligarem ao pai, levei um segundo e levei toda a vida. Obrigado
meu Deus, obrigado! Estacionei às tês pancadas, voei em passo trocado de
nervos, pela rua fora, Mafaldinha, Mafaldinha, Mafaldinha, cego de amor
aflito, só há descanso e vida quando a abraçar e estiver tudo bem.
Quando a abracei, e ela, agarrada a mim, me disse, apenas: "Olá Papá" eu
soube que tinha renascido. E ela também, coitadinha.
Como cartão de visita da nova escola, estou esclarecido. Tantas referências
boas e afinal é isto: no primeiro dia, por maioria de razão, deveria
existir um ainda mais rigoroso controlo de entradas e saídas, mas quando
cheguei o portão estava escancarado, como deveria estar quando a Mafalda
viu uma carrinha do ATL a chegar, estava na hora e ela saiu da escola e
entrou na carrinha. Ninguém perguntou nada, ninguém fez nada.
E um ATL mete um grupo de crianças numa carrinha, não pergunta nomes, não
verifica nada e só ao fim de duas horas é que, perante a aflição de uma
criança de 10 anos a pedir para ligarem ao pai é que se acaba com este
horror?
Quando penso na forma como desaparecem crianças, para sempre, todos os
dias, penso que esses pais e filhos terão sentido isto, e muitos, mesmo
sobrevivendo, morreram para sempre.
Eu tive a sorte de poder renascer.
E sei que, a partir de hoje, ganhei uma nova causa: fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para contribuir para uma Escola responsável, atenta,
segura, onde os nossos filhos aprendem e podemos, enquanto pais, estar
descansados.
Quando depois desta tarde de horror, fui buscar o pequeno Gonçalo ao
colégio e ele me disse, comprometido, "Papá, parti os óculos a jogar à
bola" eu disse para mim: que importância é que isso tem? Nenhuma,
realmente, não tem nenhuma importância.
Não podia dizer-lhe que o pai hoje tinha aprendido o que é morrer, e tinha
tido a bênção de poder nascer de novo.

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